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Tingimentos naturais – uma solução sustentável ou um sonho romântico?

Article-Tingimentos naturais – uma solução sustentável ou um sonho romântico?

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O tingimento natural é usado há milhares de anos para colorir fibras, tecidos e outros materiais. As primeiras descobertas do uso de corantes naturais pelo homem datam do período Neolítico, com evidências de seu uso encontradas em sítios arqueológicos ao redor do mundo.

Uma passagem rápida pela história dos tingimentos naturais

Os materiais tintoriais não se resumem a plantas. Alguns moluscos, fungos, bactérias, líquens, águas ferruginosas, terras coloridas, ferrosas e ricas em material orgânico-mineral e até mesmo urina de vaca fazem parte do estoque de tingidores de tecidos, couro, papel e alimentos.

Até a virada do século XIX, os corantes naturais eram altamente valorizados e algumas cores mais raras eram associados à riqueza e status. O corante roxo tyriano, extraído de um caracol marinho, era um dos mais caros e por isso era usado para tingir vestes reais e de alto escalão.

A invenção de corantes sintéticos no século 19 interrompeu bruscamente o uso de corantes naturais e levou a Índia a perder o faturamento milionário vindo da exportação, principalmente do índigo. Os corantes sintéticos são mais baratos e fáceis de produzir e também produzem uma gama maior de cores e cores mais fortes e brilhantes que os naturais.

Recentemente o interesse em corantes naturais tem se renovado e isso se deve a uma série de fatores. Artistas, artesãos, tintureiros e designers de moda apreciam esta classe de corantes por causa da nobreza de suas cores e porque são uma fonte segura para reduzir a poluição química que os corantes sintéticos causam. Mais de 50% dos corantes sintéticos convencionais são perdidos no processo de fabricação e tingimento.

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As escalas das cores naturais

As escalas de cores naturais são módicas. Os tons são mais sombreados e predominam as cores neutras e as cores Terciárias e Quaternárias o que facilita combinações harmônicas.  

É mais comum encontrar marrons, rosas, amarelos, bejes, laranjas, cinzas e pretos e pretos e alguns vermelhos no estoque natural de tingidores vegetais e minerais.

Os verdes baixos são relativamente comuns. Os azuis são quase uma exclusividade gerada pelas indigotíferas, uma família que ocorre no mundo todo.  Vermelhos mais limpos são provenientes de raridades: Vermelho da raiz de madder (Rubia cordifolia ou Indian Madder. Corantes da raiz: Alizarina, denominado comercialmente Rosa de Garança) e de alguns caracóis marinhos e os vermelhos de óxido de ferro. Estes são os mais antigos. Os corantes do Pau Brasil e da cochonilha são do século XVI. O Púrpura Tyriano (ou de Tiro), o roxo mais famoso da antiguidade, vem do caracol marinho murex brandaris. Violetas vem de líquens.

Indigo

As denominações antigas do índigo são o árabe an-nil (azul profundo) e Neel Atha (a Mãe Azul) em um dos muitos dialetos da Índia. Também na India o Índigo é denominado “Blue Gold”.  

O corante azul índigo é o mais importante corante originado de plantas, pela sua história, ocorrência em vários lugares do mundo, pelo volume de uso e distinção da tonalidade. Não há um concorrente vegetal para os anileiros tanto na tonalidade, saturação e resistência à luz.    

O corante índigo, extraído de plantas inteiras do gênero Indigofera, mais notavelmente da Indigofera tinctoria, uma planta arbustiva, também conhecida como anileiro, é usado há milhares de anos. As evidências mais antigas de tingimento com índigo são datadas de cerca de 6.000 anos atrás são do Peru. O índigo foi usado intensivamente no antigo Egito, Índia, China e Japão. Na Europa, o anil foi introduzido pelos fenícios no 1º milênio A.C.

Hoje a parcela de índigo sintético é gigantesca e a de índigo natural é diminuta, porém, significativa e valorizada.

Com o passar do tempo o anil ultrapassou as vestes reais, tingiu uniformes de marinheiros, de soldados e de oficiais de alta patente e chegou à calça jeans. Jeans vem do francês “jean”, palavra nascida em 1800, em referência a um tecido de sarja de algodão usado para fabricar calças, manufaturado na cidade francesa de Nîmes. Denim vem de “de Nimes”.

O processo de tingimento com índigo natural é bem divulgado e envolve trabalho por dias seguidos. Por força da fermentação da planta em um tanque e por um processo de aeração, a água verde e borbulhante se torna azul por oxidação ao ar. Terminada a fermentação as plantas são retiradas, a água é transferida para outro tanque, é aerada para forçar a oxidação. Em seguida a água é esgotada e resta a pasta de corante índigo com o azul revelado no fundo do tanque.

https://www.aljazeera.com/features/2020/12/13/indigo-and-the-story-of-indias-blue-gold

https://thewire.in/culture/the-man-who-captured-shades-of-bapus-dream

Shibori, uma técnica de tingimento maravilhosa onde predomina o corante índigo

Shibori é uma técnica de tingimento tradicional do Japão que se distingue por uma profusão de padrões gerados por um processo que se aproxima do batik. Os tecidos de algodão são amarrados em drobaduras complexas e são embebidos no corante líquido. 

https://www.google.com/search?q=wich+are+the+traditional+technics+of+dyeing+from+japan%3F&oq=wich+are+the+traditional+technics+of+dyeing+from+japan%3F+&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyBggAEEUYOTIJCAEQIRgKGKABMgkIAhAhGAoYoAEyCQgDECEYChigATIJCAQQIRgKGKAB0gEJNTQ1MTFqMGo3qAIAsAIA&sourceid=chrome&ie=UTF-8

Pau Brasil

O Pau-Brasil, uma árvore nativa do Brasil foi o alvo da primeira atividade extrativista dos portugueses no Brasil Colônia do século XVI. A exploração foi tão intensa que as florestas de Pau Brasil quase foram extintas. Eessa exploração era alimentada pelo mercado tintureiro europeu que apreciava o corante vermelho nobre (a brasilina) retirado da madeira do Pau Brasil. Em tupi-gurani a árvore é denominada Ibirapitanga, que significa “árvore vermelha” (ybirá, árvore e pitanga, vermelho). Hoje o Pau Brasil é protegido.

Um caso pessoal envolvido com corantes

Minha atividade acadêmica mais importante ocorreu na década de 1980 na Fundação Escola Guignard, uma escola de artes fundada pelo então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek.  Fui aluno, professor de serigrafia, Criatividade e Materiais Expressivos naquela Fundação que naquela época era administrada por um conselho curador constituído sob a autoridade do Governo de Minas Gerais e sua Secretaria de Cultura. Hoje a Escola Guignard é uma das faculdades do complexo da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG. Tive sorte. Trabalhei com pessoas maravilhosas, começando pelos alunos, meus colegas professores e nossos administradores do Conselho Curador e da Secretaria de Cultura e dois governadores extraordinários. Estas pessoas me ensinaram a ser um incansável aprendiz. Com Oscar Nimeyer com quem também convivi na época aprendi uma palavra que nunca mais esqueci: Generosidade e inúmeras pessoas foram extremamente generosas comigo e ainda são. Tenho sorte.

Fundei o curso de Educação Artística da Guignard e sob o incentivo da Secretaria de Cultura escrevi um discreto livro entitulado Materiais Populares na Educação Artística. Este livro veio como uma espécie de registro de várias jornadas culturais promoviodas pela SEC e executadas sob meu comando no estado de Minas. Nas jornadas fundamos e reenergizamos várias Secretarias Municipais de Cultura de todo o estado de Minas. Para essas jornadas criamos um projeto de pesquisa e registro do trabalho tradicional, registramos a culinária com seus fogões e fornos, o trabalho de ceramistas, de tecelões e tingideiras de lã e algodão convertidos em tecidos de calças e colchas. Aqueles artesãos e artistas abriram seus registros mentais, anotações e tiras de papel com desenhos de “rosinhas” uma modalidade antiga de cartão de programação dos desenhos geométricos e “caleidoscópicos” que eram os motivos figurativos das colchas de lã e de algodão. Com eles aprendi quais são as plantaas tintoriais, quando colhê-las, tratá-las e como tingir tecido, papel, palha e cerâmicas. Com os ceramistas aprendi a fazer as tintas mais primitivas – as tintas de terra.

Este trabalho e meu humilde livro abriram as portas do Brasil: fui convidado para dar aulas e palestras de tintas na UNB, na Escola de Comunicação e Artes da USP, no MAM do Rio de Janeiro, em Manaus, no Espírito Santo e em várias regiões do Nordeste. Fui convidado para dar uma palestra no Forum Mundial de Educação da UNESCO, trabalhei anos com a FUNARTE, fui professor convidado de vários Festivais de Inverno da UFMG. Na Escola, Guignard paramos de comprar tintas de serigrafia e passamos a fazê-las na sala de aula.

Rodei o mundo aproveitando a experiência de sempre estar atento ao que o povo faz no seu trabalho de subsistência e espiritual, por prazer ou por necessidade. E no final disso tudo me tornei o que eu sou até hoje, um aprendiz que estuda todos os dias.

Plantas e materiais tintoriais brasileiros mais acessíveis e próximos de nós

Voltando aos corantes naturais: A maioria das fontes de corantes e pigmentos usados para tingir tecidos e outras coisas vem das plantas, de minerais e compostos orgânicos. Em favor da sustentabilidade, vamos nos conter nas opções que estão ao nosso redor, na horta e jardim, em nossa cozinha e disponíveis sem que tenhamos que destruir para poder tingir.

Plantas que tingem: Folhas e serragem da maioria das madeiras. jabuticada, casca de cebola, de romã, banana e de nozes e de muitas frutas. Café forte, chá da Índia, chá-mate, carqueja, folhas da mangueira, extratos. Açafrão, urucum, picão, erva de passarinho, quaresminha, calêndula. Cajueiro, mangue vermelho, anjico, sangra d´água, jacatirão. Caroço de abacate, jenipapo, abricó de macaco, lobeira, barbatimão, bananeira, líquens,... O mais famoso é o anileiro, uma planta arbustiva facilmente encontrada em lugares habitados desde o passado colonial brasileiro, em moradas antigas, em terrenos baldios e abandonados. Dizem que o anileiro está nesses lugares para nos lembrar que uma tingideira de panos já morou ali.

Cores

As cores mais comuns derivadas de plantas são os marrons, bejes, rosas, o azul anil, cinzas e o pretos. Estas cores são as mais resistentes à luz e quase sem exceção, as plantas, frutas, beterraba, urucum, a cúrcuma e demais alimentos vegetais, apesar de render cores maravilhosas, não tem resistência à luz. A principal aplicação deste grupo é o tingimento de alimentos – gelatina, bolos, papeis de festa. A baixa resistência à luz é o defeito da maioria das cores dos corantes vegetais e por isso a maioria delas é classificada como “cores fujidias”.

Processo

O processo tradicional e popular de extração de corantes vegetais, quase sem exceção, envolve cozimento das partes tintoriais e preparação dos tecidos com um mordente. Mordentes correspondem aos pré-tratamentos para impressão digital de hoje. Processos de extração com base em laboratórios tecnológicos rendem concentrados e extratos mais puros e potentes e há empresas no Brasil dedicadas a este trabalho.

pH e íons

O pH das tinturas é superimportante porque é um alterador das cores e um dos componentes fundamentos para que os pré-tratamentos e mordentes funcionem em tipos específicos de tecidos. Também o pH é um dos responsáveis pela fixação e solidez das cores. Cátions são partículas de origem metálica de carga positiva. Essas partículas são importantes para  a fixação das cores e em geral estão presentes nos mordentes e pré-tratamentos dos tecidos para tingir. 

Vasilhames

O metal dos vasilhames de cozimento – alumínio, cobre, ferro – influi na tonalidade e contribui para a fixação dos corantes vegetais porque contribuem com cátions no banho prévio e no banho de cor. Alumínio aviva, ferro escurece, cobre influencia várias cores.

Pigmentos

Pigmentos minerais, terras coloridas e água ferruginosa acidificada e ou alcalina rendem cores muito firmes. África, Índia, Japão, China e alguns países latino-americanos são ricos na tradição de tingimento com minerais e vegetais. Em geral os pigmentos minerais são aplicados a frio.

Conclusão

A produção de corantes naturais é ínfima e incapaz de suprir o mercado mundial, o que é bom para a exclusividade de quem tinge, e, vê-se pelo mundo iniciativas e empreendimentos de sucesso aproveitando esta oportunidade. Também há países onde o tingimento natural nunca morreu, porque é um tesouro nacional.

Referências:

https://www.google.com/search?q=livro+materiais+populares+na+educa%C3%A7%C3%A3o+artistica%2C+herculano+ferreira&oq=livro+materiais+populares+na+educa%C3%A7%C3%A3o+artistica%2C+herculano+ferreira&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyBggAEEUYOdIBCTM1MTg2ajBqN6gCALACAA&sourceid=chrome&ie=UTF-8#ip=1

https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Guignard

https://waag.org/en/article/using-earth-pigment-dyes-textilelab/

https://www.blogs.unicamp.br/descascandoaciencia/2021/07/20/plantas-tintoriais-o-resgate/

https://maiwahandprints.blogspot.com/2013/01/natural-dyes-mordants-part-1.html

https://maiwahandprints.blogspot.com/2013/01/natural-dyes-mordants-part-2.html

https://maiwahandprints.blogspot.com/2013/01/natural-dyes-mordants-part-3.html

 

Sobre o ao autor:

Artista Plástico. Fundador da ArtZone Arte & Tecnologia focada em O&M de desenvolvimento de produtos e processos de estamparias analógicas de serigrafia e digital jato de tinta. ArtZone e Herculano Ferreira prestam consultoria no mercado têxtil desde 1988.

Herculano Ferreira – ArtZone Arte & Tecnologia – www.artzone.com.br – herculano@artzone.com.br

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